Sociedade de Consumo

Um dos factores da sociedade que mais incomoda e distancia Louise da mesma é o consumo, as necessidades supérfluas e inúteis criadas pelas ficções sociais (explicadas no post Anarquismo em Louise, no que diz respeito ao banqueiro anarquista de Fernando Pessoa).

The True Cost – Andrew Morgan

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O pensamento anti consumista de Louise é baseado por vários temas e comentários presentes no documentário The True Cost, que retrata tudo o que está por trás da indústria da moda. Este documentário pretende sensibilizar o olhar das pessoas para aquilo que vestem. A forma de se fazer roupa tem vindo a ser muito alterada. As grandes empresas procuram os locais onde a mão-de-obra é mais barata e por isso as fábricas são obrigadas a ter um preço ridiculamente barato porque se não for assim perdem a oportunidade de trabalho, sendo inevitavelmente  os salários dos trabalhadores medíocres.

Um acontecimento muito marcante que demonstra as péssimas condições de trabalho destas pessoas foi o desastre de Runaplaza, em Bangladesh, na Índia. Após terem avisado os chefes de que o edifício podia ruir e forçados a voltar ao trabalho, mais de 1000 destas pessoas morreram, quando o edifício de facto ruiu.


Louise considera que, como descrito no documentário The True Cost, quanto mais as pessoas se preocupam com valores materiais, menos felizes são. As grandes empresas querem que tudo pareça favorecer e facilitar a vida das pessoas e que a felicidade dependa do consumo. Como as pessoas acreditam nesta falsa publicidade, os direitos humanos perdem-se com o objetivo exclusivo de se fazer dinheiro.

Não concebe que alguém receba 2$ por dia, ou trabalhe em locais com péssimas condições e suscetíveis a acidentes de trabalho, para que outrem possa ter as suas “necessidades” satisfeitas. Sabendo que, apesar de considerar o dinheiro uma dessas ficções sociais, a sociedade depende inevitavelmente dele, e não acha justo que existam estas discrepâncias e dificuldade por uns quando os outros não dão se quer valor a esses bens materiais que obtém.

Personalidade – referências e pesquisas

Elliott – Mr Robot

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O olhar que Louise tem sobre a sociedade foi fortemente marcado pelo pensamento de Elliott, o actor principal da serie Mr Robot. É uma personagem que, apesar de todos os seus problemas mentais – esquizofrenia, distúrbio de ansiedade, depressão e alucinações, é bastante rica e interessante.

Tem uma posição muito vincada em relação à sociedade e que se insere. Critica todos os seus actos e, devido a todos os seus problemas sente-se incapaz de participar e relacionar-se com a mesma. Esta sua incapacidade perturba-o bastante e fá-lo sentir-se sozinho no mundo.

A sua vida é revelada por uma voz que está dentro da sua cabeça, que fala sobre as pessoas e aquilo que o rodeia. Estes diálogos com a audiência permitem-nos interpretar o seu mundo. Porém, nunca temos a certeza se aquilo que estamos a ver é realmente verdade.

Vê a sociedade como algo muito perturbador e superficial, marcada pelo consumo e por futilidades.

Considero que estes dois vídeos descrevem apropriadamente a sua personalidade e visão da sociedade.

https://www.youtube.com/watch?v=XjKEZm-4EQw

https://www.youtube.com/watch?v=rNfzbPAD8FE

Distúrbios de Ansiedade

A personalidade de Louise é fortemente marcada por uma enorme ansiedade e insegurança.

 “Ansiedade é uma forma de medo, mas com a diferença de que é um medo para algo desconhecido. Manifesta-se por sensação de mal estar espiritual (…).”

Enciclopédia Médica Familiar

“Medo e preocupação aparecem quando o mundo exterior tende a agredir ou a ameaçar o organismo. Ansiedade é uma reação contra os impulsos e instintos que cada um de nós tem (…)”

Enciclopédia da Nova Medicina

Os distúrbios de ansiedade incluem o pânico, comportamentos obsessivo-compulsivos, fobias e stress pós-traumatico. Afetam cerca de 10% da população dos países ocidentais.

As causas não são completamente conhecidas. Desenvolvem-se na sequência da negligência emocional na infância ou a partir de acontecimentos traumáticos, podendo permanecer por anos depois do acontecimento inicial. Podem ter antecedentes genéticos ou derivar de desequilíbrios no cérebro. A utilização de a cocaína podem também produzir sintomas de ansiedade.

Pânico

Os ataques de pânico surgem sem qualquer aviso prévio. Causam sentimentos de terror e sintomas físicos como a dor torácica, palpitares, dispneia, tonturas, dor abdominal, sensações de irrealidade e medo da morte. Desenvolvem-se muitas vezes na adolescência tardia ou no início da idade adulta. Muitas das pessoas que têm distúrbios de pânico desenvolvem a agorafobia – receio de se encontrar em circunstâncias em que a fuga ou ajuda não possam ser possíveis ou da possibilidade do acontecimento se tornar uma situação embaraçosa.

Depressão

“Estado de melancolia que abaixa o tono, o ânimo e faz tristes todas as coisas da vida (…)”

Enciclopédia Médica Familiar

A depressão é algo que ultrapassa a sensação de tristeza ou de nos sentirmos “em baixo”. É um distúrbios psiquiátricos e emocionais que constitui uma das principais causas de incapacidade do mundo.

A causa exata de depressão mantém-se desconhecida, porém, acredita-se que provenha de modificações que ocorrem no funcionamento do cérebro desencadeadas por situações stressantes, como a morte de um familiar próximo, uma doença grave ou a perda do emprego. Algumas pessoas podem ter tendência hereditária para ficar deprimidas. Outros factores que podem levar à depressão são, por exemplo, uma auto-estima reduzida, o pessimismo, a dificuldade em lidar com o stress, a negligência ou a pobreza.

Alguns dos sintomas que podem existir são: a falta de esperança, o desespero, sensação de culpa e desvalorização, falta de energia, insónias, inquietação, entre outros.

A depressão psicótica traduz-se em sintomas invulgares como alucinações ou ilusões.

Bibliografia

Duke University; ROMÃO, Carmo et al; A Enciclopédia da Nova Medicina. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006.

SILVEIRA, Ismar Chaves; MELLO MOTTA, Manoel Carlos. Lisboa: Companhia Brasileira do Livro

Webgrafia

http://www.blogsoestado.com/sigaescalada/files/2016/07/mr-robot-season-1-finale.jpg

http://mrrobot.wikia.com/wiki/Elliot_Alderson

http://mrrobot.wikia.com/wiki/Elliot_Alderson

Anarquismo em Louise

Louise defende o anarquismo, sente uma profunda revolta contra a sociedade e os seus actos e considera que esta teoria seria a solução dos seus problemas. Baseia-se em grande parte no pensamento de William Godwin e naquele que é exposto n’O banqueiro anarquista de Fernando Pessoa. A sua postura e apatia que sente pela sociedade é semelhante às que são expostas no filme Slacker de Richard Linklater.

Slacker – Richard Linklater

Retrata um dia de uma geração muito preguiçosa e apática, a dos adolescentes dos anos 90, revoltados com o contexto em que se inserem. O anarquismo é um tema exposto nas suas conversas.

Louise é também uma jovem revoltada perante a sociedade que a rodeia e acredita que o anarquismo seria a solução dos problemas da humanidade.

Anarquistas e anarquismo – James Joll

William Godwin (1756-1836) foi um jornalista inglês, filósofo e politico. Foi um dos primeiros defensores do anarquismo. O princípio fundamental do seu pensamento político assenta na crença em que a justiça e a felicidade estão inevitavelmente interligadas. Considera a prática da virtude como o verdadeiro caminho para a felicidade individual. Desta forma, uma sociedade baseada na justiça seria uma sociedade em que os seus membros seriam necessariamente felizes.

Esta teoria tem por base uma opinião profundamente optimista da natureza humana. Godwin considera (sustentando-se na doutrina de Hume) o Homem nascido sem quaisquer ideias inatas. Assim, o seu espírito e carácter são susceptíveis de serem influenciados por factores exteriores a si. Esta vulnerabilidade dos seres humanos a todas as formas de pressão intelectual e moral, é ao mesmo tempo a sua fraqueza e a sua força. Fraqueza porque dá aos governos um poder quase ilimitado de controlar os seus súbditos. Força porque pode aprender a viver pacificamente com os seus vizinhos numa comunidade.

Louise vê apenas o lado mau da vulnerabilidade do ser humano, porque considera-o como algo tão perturbador que não consegue dar valor a algo que traga de positivo.

Godwin considera que a razão do crime é a insatisfação das necessidades de vida. A solução que apresenta é a abolição da propriedade. Ao serem irradiados os motivos de vaidade e ambição e de se ser mais do que o outro será exigido pouco da sociedade e adoptada uma verdadeira escala de valores.

Godwin é um verdadeiro anarquista na medida em que não encara a propriedade como algo a ser explorado em comum, mas apenas na medida em que seria utilizável por quem quer que dela necessitasse.

“Tudo o que normalmente é compreendido pelo termo cooperação é num certo grau um mal… Se eu tive de esperar para comer e trabalhar em conjunto com o meu vizinho, ou deve ser numa altura mais conveniente para mim, ou para ele, ou para nenhum de nós. Não podemos ser reduzidos à uniformidade do relógio.”

“Mas então terei eu que, a determinadas horas, deixar o museu onde estava a trabalhar, o recesso onde meditava ou o observatório onde examino os fenómenos da natureza, para me dirigir a uma sala só destinada a refeições, em vez de comer como a razão me ordena, na altura e no lugar mais adequado às minhas ocupações?”

William Godwin

Este é um dos aspectos com que Louise mais concorda. As pessoas não devem depender umas das outras e quase todos funcionam assim. Pensam ser livres mas são limitadas pelas acções daqueles que as rodeiam e reduzem-se àquilo que os outros fazem e pensam.

A família é vista por Godwin como uma instituição duplamente errada, porque envolve subordinação de personalidades e baseia-se na propriedade, não havendo necessidade dela. A sua opinião relativa ao sexo é típica da sua opinião da natureza do homem.

“Cultivarei assiduamente as relações sexuais daquelas mulheres cujo talento me perturbar da maneira mais forte. Mas poderá acontecer que outros sintam por ela a mesma preferência que eu? Isto não é, porém, problema (…) as realçais sexuais são algo bastante trivial”

Louise não entende a dependência que as pessoas sentem por alguém e as relações amorosas. Vê-as como fraquezas do ser humano e como mais um factor que concretiza a sua vivência dentro de uma caixa, ou seja, sem liberdade. Considera que todos devem ser livres de obter prazer de quem quiserem, mesmo que existam mais pessoas interessadas e que o façam simultaneamente. Apesar de não se conseguir relacionar com ninguém, por se colocar no exterior da sociedade e ver as coisas de fora, considera que a sociedade que observa deveria funcionar com base nesse princípio.

O banqueiro anarquista – Fernando Pessoa

Fernando Pessoa caracteriza neste livro um anarquista na sua essência como um revoltado contra a injustiça de nascermos desiguais socialmente. É alguém que se revolta contra as convenções e ficções sociais que se sobrepõem às realidades naturais.

As pessoas nascem para ser livres, serem homens ou mulheres. Não para serem ricos ou pobres, católicos ou protestantes, portugueses ou ingleses. Tudo isto ocorre, segundo o banqueiro anarquista (e Louise) através destas ficções sociais que não são naturais e são impostas ao Homem pelo exterior.

O dinheiro, o estado, a família e as religiões são ficções que estorvam as realidades naturais. O anarquismo pretende livrar-se de todas estas influências e ficções.

Esta personagem caracteriza a religião católica como algo que não faz qualquer sentido dentro deste princípio. Alguém que acredita nesta única vida e não na vida eterna, não admite qualquer lei que não a natureza, que se opõe ao estado, ao dinheiro e ao casamento não faz sentido defender uma religião que tem como expoente máximo o céu e assenta no sacrifício pelos outros e pela humanidade.

Bibliografia

JOLL, James; Anarquistas e Anarquismo; Edições D. Quixote

PESSOA, Fernando; O banqueiro anarquista; Editora Ática

Mundo ficcional de Louise – Referências

Blow up – Michelangelo Antonioni

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O conflito entre realidade e ficção existente neste filme, notável na última cena (o jogo de ténis mímico), relaciona-se bastante com a personalidade de Louise. Ela tem medo de pertencer à sociedade que a envolve e por isso cria uma nova estrutura ficcional em que passa a acreditar,  onde se encontra no exterior dessa mesma sociedade. Consegue exteriorizar-se dela através da sua câmera fotográfica.

Shutter Island – Martin Scorsese

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Neste filme, a personagem principal (interpretada por Leonardo Di Caprio) cria uma nova realidade porque não consegue suportar aquela em que vive, em que a mulher matou os seus três filhos e ele próprio matou a mulher. Ao não saber lidar com esta situação, cria e passa a acreditar num mundo em que ele não é ele próprio, deixa de ser Andrew Laddies e passa a ser Teddy.

Louise, tal como Andrew Laddies, cria algo em que passa a viver e a acreditar. No seu caso, não uma pessoa mas apenas um contexto diferente, o seu lugar na sociedade. Contudo, nas duas personagens existem momentos de angústia e frustração por toda essa realidade criada e ficcional ser posta em causa. Existe uma dúvida permanente entre a realidade e a ficção.

The Beaver – Jodie Foster

the-beaver

A personagem principal deste filme, Walter Black, após um período depressivo causado pelo fim da sua carreira e pela separação da mulher e dos filhos, e depois de várias tentativas de suicídio, desenvolve uma dupla personalidade. Esta é representada por um fantoche de um castor que encontra num caixote do lixo. Ao utilizá-lo começa a sentir-se uma pessoa diferente, começa a falar e a agir através do boneco, escondendo a sua depressão e personalidade atrás dele. Utiliza-o tanto que começa a acreditar que faz parte de si, acabando por cortar o próprio braço para se ver livre dele.

Louise, ao utilizar tanto a câmera fotográfica e ao sentir-se melhor e diferente através dela, começa a acreditar que esta faz parte de si na sua vida em sociedade.

Webgrafia

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/7/76/Shutterislandposter.jpg

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/8/80/Blowup.jpg

http://www.impawards.com/2011/posters/beaver.jpg

Características e contexto gerais

Ao ficar sozinha a partir dos 14 anos, idade em que perde a sua irmã, Louise entra em depressão e começa a questionar tudo o que está à sua volta e a olhar para a realidade de forma diferente. Os defeitos que a compõem como o consumismo, o materialismo, a dependência e as preocupações supérfluas que ocupam a vida das pessoas tornam-se de tal forma ampliados na sua cabeça que deixa de conseguir suportar viver numa sociedade assente nesses princípios.

Ao começar a fazer experiências com a câmera fotográfica, um dos únicos objetos que guarda da irmã, começa a sentir-se diferente e a ter uma perceção diferente daquilo que a rodeia. Ao observar a sociedade que detesta de forma indireta (através da câmera) e não de forma natural e primordial (através dos olhos) começa a sentir que se situa fora dela. Está fora a observar, através do objeto, o seu interior do qual se distancia. E, por considerar todas as atitudes do homem tão forçadas e decadentes, começa a pensar que tudo se trata de uma encenação, que não deixa de ser perturbadora. Desta forma, Louise cria uma realidade que lhe permite lidar com a sociedade, exteriorizando-se dela.

Relação com os outros e com o espaço

Assumindo ela um estatuto de outsider da sociedade, não sabe como lidar com as pessoas que estão dentro da cena por ela capturada e vista através do exterior. Entra em pânico quando por algum motivo se dirigem a ela, porque é como se a submetessem a um estatuto igual ao deles, quando pensa que se encontra num muito distante. Nessas alturas, põe em causa o seu olhar exterior à sociedade. Ou quando involuntariamente a câmera é desviada da sua vista ou por algum motivo deixa de funcionar, tem visões decrépitas e alucinações, porque passa a pertencer a esse mundo que a destrói e consome. Estas situações fazem com que pense que a crença de que aquilo que considerava ser a realidade (a ilusão de que vive fora da encenação decadente que percepciona) é afinal uma ilusão.

Nas alturas em que põe em causa a realidade que criou e em que acredita, foge dos sítios onde se encontra e procura locais altos, porque ao subir e distanciar-se do chão comum dos ambientes movimentados onde circula com a câmera, sente que está a afastar-se do mesmo e das pessoas que nele circulam. 

LOUISE origem do nome

LOUISE & LEWIS

A escolha do nome Louise para o meu alter-ego deveu-se a uma inspiração no fotógrafo Lewis Hine, cujo trabalho é muito do meu agrado e, para além disso, tem tudo a ver com a personagem que eu queria criar, que vive atrás de uma câmera.

Lewis Wilkes Hine (1874-1940) nasceu em Oshkosh, Wisconsin (EUA). Utilizava a câmera fotográfica com dois propósitos distintos, como ferramenta de pesquisa técnica e estética e como instrumento documental com vista a fins sociais.

Em 1908, tornou-se fotógrafo do National Child Labour Committee, para o qual elaborou um documentário relativo ao trabalho e exploração infantil na indústria americana. Captou imagens impiedosas destas crianças a trabalhar em minas, fábricas ou abandonas ao seu próprio destino em várias cidades por onde viajou. Estas imagens tiveram muita influência na elaboração pelas autoridades da legislação sobre o trabalho infantil e sobre as condições de segurança no trabalho.

louis-hine

Durante a I Guerra Mundial registou o papel humanitário da Cruz Vermelha americana na Europa. Entre 1920 e 1930, ficaram célebres as suas séries sobre as obras de construção do Empire State Building em Nova Iorque. Neste conjunto de imagens, conhecidas como “retratos de trabalhos” procurou registar uma simbiose entre o Homem e a máquina, valorizando a contribuição do homem para a construção da sociedade industrial moderna.

A relação que encontrei entre os dois nomes foi a utilização da câmera fotográfica com propósitos sociais. Por um lado, Lewis Hine, utiliza-a de forma a relatar as injustiças sociais e morais da sociedade, com o objetivo de obter repercussões e alterações na mesma. Louise, utiliza-a como um meio de evasão da sociedade atual que não suporta e  com a qual não sabe lidar. Este objeto leva-a crer que se situa de fora dessa sociedade contaminada e que tudo o que capta através desse “terceiro olho” se trata de uma encenação decadente. A câmera estabelece uma distinção do olhar, uma evasão ao real e acaba por criar a sua própria realidade, que não passa de uma ficção. 

Bibliografia

NUNES, Paulo Simões; História da Cultura e das Artes 11. Lisboa: Raiz Editora

“Paris, Os Passeios de um Flâneur” – Edmund White

Neste post optei por fazer referências às definições e reflexões relativas ao conceito de flâneur presentes no livro “Paris, Os Passeios de um Flâneur” de Edmund White. 

No século XIX, Baudelaire foi o flâneur parisiense consumado. Um dos seus textos essenciais é o “Le pelintre de la via moderne”.

“A multidão é o seu domínio, tal como o ar é o domínio das aves ou o mar o domínio dos peixes.” Baudelaire

Segundo Baudelaire, o flâneur depende de tal forma da multidão que pretende “casar-se” e diluir-se nela. Obtém prazer através da instalação na multiplicidade, em tudo o que se agita e que é infinito. Sente-se em casa em todo o lado. Tem um espírito independente, apaixonado e imparcial.

Baudelaire chega a compará-lo a um caleidoscópio equipado de uma consciência que, sempre que o tubo se desloca, copia a configuração de uma vida multifacetada.

O flâneur é considerado por Edmund White alguém que, por definição, dispõe de imenso tempo livre, alguém que pode tirar uma manhã ou uma tarde para deambular sem rumo ou  destino. O verdadeiro espírito do flâneur opõe-se a objetivos concretos ou a estipulações temporárias restritivas. A meu ver, o flâneur não pode ter restrições como o tempo ou lugares para onde tem que se dirigir, pois este age conforme aquilo que sente e que lhe dá prazer, observa as pessoas e aquilo que o rodeia e tem vontade de se diluir nessas realidades, no movimento fugaz e no infinito.

Walter Benjamin, no século XX, estabelece numa das suas obras a natureza exata do flâneur, ele não é um turista estrangeiro que percorre as grandes atrações das cidades, mas sim alguém em busca de um momento privado e não de uma lição, não se esperando que essas atrações o deixem arrepiado ou comovido. Ele não busca o conhecimento, mas sim a experiência. É uma pessoa indecisa, embaraçada pelas suas escolhas e que nunca sabe ao certo para onde ir. Segundo Walter Benjamin, é natural que o flâneur se sinta cansado, porque se esquece de comer, apesar da quantidade de cafés que o rodeiam.

“Tal como a espera parece ser o verdadeiro estado do estático contemplativo, a dúvida parece ser o verdadeiro estado do flâneur”

Walter Benjamin

Bibliografia

WHITE, Edmund; Paris, Os Passeios de um Flâneur; Lisboa: ASA editores; 1ª edição; 2004

Voyeur

A palavra voyeur provém da palavra francesa voir (ver). O voyeur é alguém que espia as outras pessoas, habitualmente em momentos em que não querem ser vistas.

voyeurisme é maioritariamente associado ao interesse na observação de pessoas em momentos ou comportamentos ligados à sua intimidade sexual ou outros momentos de cariz privado. O voyeur não interage normalmente com o indivíduo que observa. A abrangência deste conceito evoluiu com o avançar do tempo, e passou a não ser exclusivamente ligado à atividade sexual.

People Watching

Este é um conceito utilizado para descrever o acto de observação de pessoas e as suas interações, normalmente sem elas saberem. Consiste numa tentativa de descobrir as histórias das pessoas, tendo em conta o seu discurso, as interações com os outros, a sua linguagem corporal, a expressão, a aparência e as suas atitudes.

Para algumas pessoas é visto como um hobby, mas para outras trata-se de uma atividade do subconsciente que praticam todos os dias sem se aperceberem. Mesmo quando estas pessoas se encontram em grandes multidões, continuam de certa forma a considerar-se isoladas.

No conto The Man of The Crowd, sobre o qual tenho um outro post no blog, o narrador pode ser visto como um voyeur, porque se sente bem e entusiasmado a observar as pessoas, todos os detalhes da sua aparência e da sua atitude. Depreende, somente através da observação física dos indivíduos, a que classe social pertencem. Ao ser confrontado por um homem que não consegue identificar de todo, sente uma vontade tão grande de o conhecer (através do olhar) que o persegue pela noite fora.

Tal como o flâneur adquiriu prazer através da industrialização e da vida moderna, o voyeur encontra-o através do alheamento do mundo que o caracteriza nos seus momentos de observação. A observar os outros consegue ver partes de si. Através dessa observação reconhece a vida, a sociedade e as personagens peculiares que nela se encontram.

Webgrafia

https://en.wikipedia.org/wiki/Voyeurism

https://en.wikipedia.org/wiki/People_watching

http://thoughtcatalog.com/cody-delistraty/2013/11/the-art-of-people-watching/

“The Man of the Crowd”

Edgar Allan Poe (1809-1849) foi um escritor, editor e crítico literário americano. Ficou conhecido sobretudo pelos seus pequenos contos. O seu conto The Man of the Crowd, publicado em 1840, pode ser visto como uma versão londrina do flâneur.

O narrador encontra-se sentado num café em Londres e diante de um vidro que mostrava a rua. Revela ter estado doente e estar nesse momento novamente saudável e com disposição para apreciar simples fenómenos como a própria respiração. Contempla atentamente aquilo que o rodeia, sobretudo as pessoas que se encontravam no mesmo espaço que ele, e as que passavam na rua. Observando atentamente a multidão de pessoas que passava, consegue estereotipar a maioria delas em grupos particulares de pessoas – “eram, sem dúvida, nobres comerciantes, procuradores, negociantes, agiotas (…)” Analisava os gestos, roupas, formas de estar e andar das pessoas.

“Subitamente, deparei-me com um semblante (o de um velho decrépito, de uns sessenta e cinco anos de idade), um semblante que de imediato se impôs fortemente à minha atenção (…)”

Conforme ia observando o exterior o seu interesse pela situação ia crescendo. Repentinamente, depara-se com um homem que se destaca de todos os outros da multidão. Este velho decrépito, com um ar e uma expressão enigmática, suscitou no narrador vontade de saber mais sobre ele e sobre a sua história. Desta forma, saiu do café e perseguiu-o pela noite fora e até ao amanhecer. O homem envereda por ruas repletas de gente e, ao chegar a praças movimenta-se circularmente confundindo-se com a multidão. Ao chegar a locais sem ninguém angustia-se, acelera o passo e procura outro local movimentado. Caminhava sem propósito aparente ou qualquer intenção.

“Entrou em loja após loja, não perguntava o preço de artigo algum nem dizia qualquer palavra, mas limitava-se a olhar todos os objetos com um olhar desolado, despido de qualquer expressão” 

“Limitava-se a caminhar de cá para lá, durante o dia todo, não abandonou o turbilhão da avenida.”

Podemos concluir com a leitura deste conto que este velho decrépito personifica o autêntico flâneur. Caminhava sem um rumo certo, sem qualquer intenção ou vista a um destino. No seio da multidão, este homem era o único a que o narrador não conseguia atribuir uma categoria com base no seu aspeto, por não ter aspeto de estereótipo algum. É um homem da multidão, incapaz de estar só e circular por zonas sem ninguém, mas ao mesmo tempo incapaz de criar relacionamento com as pessoas e os espaços que o rodeiam.

” Recusa-se a estar só. É o homem da multidão. Será escusado segui-lo: nada mais saberei a seu respeito ou respeito dos seus atos.”

Podemos, também, considerar o narrador como um autêntico voyeur, que tem grande prazer em observar as pessoas, todos os seus detalhes e atitudes. Nota-se que é um observador experiente por saber classificar as pessoas em categorias através de muito pouco tempo de observação.

Bibliografia

ALLAN POE, Edgar. The man of the crowd

Webgrafia

http://michaelmccartneymichaelmccartney.blogspot.pt/2012/09/the-man-of-crowd-summary.html

https://teoriasdacomunicacao.wordpress.com/2010/10/01/o-homem-da-multidao-por-alan/

https://en.wikipedia.org/wiki/Edgar_Allan_Poe

https://en.wikipedia.org/wiki/The_Man_of_the_Crowd

“O Último Suspiro do Flanêur”

No texto “O último suspiro do flâneur” de Rodrigo Satunino, membro do departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Lisboa, o autor reflete sobre esta temática e propõe um conceito mais atual da mesma.

No primeiro capítulo, o flâneur: a arte de ser vagabundo, descreve flâneire num ato de deambular sem destino e contextualiza-o no palco das grandes revoluções políticas e industriais – Paris do século XIX – considerada a capital do mundo. Considera as novas experiências sociais provenientes do fenómeno da multidão e do progresso da sociedade. O indivíduo, ao misturar-se com a multidão, tornava-se partícula paisagísticaque compunha o cenário urbano.

A angústia de Baudelaire

Refere-se também, neste texto de Rodrigo Saturnino, a figura emblemática do Sr.G, criado por Baudelaire no ensaio La Peintre de la Vie Moderna. Esta figura era um artista que se interessava por tudo o que o rodeava. Era descrito, ao mesmo tempo, como um cidadão espiritual e um homem do mundo, ao qual seria insuportável estar restringido às limitações do círculo de artistas da época. A curiosidade e a convalescença são características muito marcantes na sua personagem, era um especialista no exercício da observação.

Ao excluir o Sr. G de categorias limitadas como a de artista ou dandy, restou-lhe a caracterização do mesmo enquanto flâneur: a multidão era o seu domínio, habitava o movimento fugaz, o infinito e o inconstante e a rua era considerada o seu lar. O flâneur de Baudelaire sobrevivia na modernidade, no transitório. Habitava a mutação e não se habituava a coisa nenhuma.

O flâneur refletia o estado provisório do ser no mundo.

Onde está o vagabundo virtual? 

Neste capítulo refere-se a ideia de Lev Manovich, crítico de cinema e professor universitário, de que a internet, um novo espaço da sociedade moderna, é marcado por trajetórias e é propício à navegação. Assim, considerou a internet uma nova forma de ultrapassar as restrições físicas da cidade – a rota do indivíduo passa a ser um espelho da sua individualidade.

In the case of the flâneur moving through the physical city, this transformation, of course, only happens in the flâneur’s perception, but in the case of navigation through virtual space, the space can literally change, becoming a mirror of the user’s subjectivity. 

Lev Manovich

Segundo este autor, o flâneur virtual é mais feliz porque está em movimento constante e, o espaço navegável é uma expressão, um desejo psicológico.